As rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti. (Cartola) Scraps Artestilo |
quarta-feira, 17 de junho de 2009
scrap
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Leitura nas Séries Iniciais
<>
No momento atual, a tônica no ensino de língua está no texto. Mas muitas pessoas ainda desconhecem os estudos que têm sido feitos nas áreas da psicolingüística e da lingüística textual ou conhecem, porém não tem ainda muito claro como colocá-los em prática em sala de aula.
Mediante a isso, procura-se neste estudo reunir, na sua fundamentação, questões teóricas de diversas fontes sobre leitura e escritura de textos, bem como sobre outras questões relativas à textualidade, gêneros textuais, motivação e letramento que julgo serem necessárias para poder dá consistência a essa reflexão pedagógica.
Ressalta-se, porém, que este trabalho só traz idéias básicas, não eximindo a leitura das obras originais consultadas. Pelo contrário, espera-se que essas idéias trazidas sirvam de estímulo para a busca às fontes. De modo algum estou querendo passar receitas prontas, mas tentando servir como uma espécie de "pontapé inicial" para trabalhos com leitura diversos gêneros textuais em sala de aula.
A leitura, as práticas e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação e na mídia brasileira. Em 2003, o Brasil obteve desempenho insatisfatório em duas grandes pesquisas: uma de âmbito nacional - Instituto Paulo Montenegro - divulgou que 72% de jovens são alfabetos funcionais, ou seja, não sabem ler e escrever. Em outra internacional, o PISA - Programa Internacional para Avaliação de Estudantes, o país ocupou o 37o. lugar em letramento de leitura. Algumas ações têm tentado mobilizar escolas, professores, diretores e sociedade para mudar este quadro: PNLD - Programa Nacional do Trabalho Didático através dos módulos literários, o PNBE - Programa Nacional Biblioteca na Escola, campanhas como "Tempo de Leitura" e "Literatura em Minha Casa", entre outras. Estas iniciativas mostram algo em comum: a utilização de textos literários e a proposta para o uso de diversos tipos de textos nas ações voltadas para leitura. No entanto, nota-se que as instituições de ensino encontram dificuldades em fazer uso da literatura como objeto de leitura.
Entre vários problemas estruturais já tão denunciados pelas pesquisas e estudos realizados, ressalta-se aqui a questão da formação docente como um dos principais entraves a uma prática educativa de qualidade, especialmente no que se refere ao ensino da leitura. Entende se que, ainda que todos os quesitos ideais necessários a uma prática de ensino da leitura fossem efetivados na escola, indispensável seria a presença de professores leitores, que sentissem prazer na leitura, que fossem bem informados e instrumentalizados para tal prática.
O ensino da leitura e, particularmente, a importância da literatura na formação pessoal e intelectual do ser humano ainda nas séries iniciais, encontram pouco espaço nos programas de formação inicial e continuada das escolas brasileiras. Este estudo pretende desenvolver atividades que convergem para ações voltadas diretamente para alunos e professores das séries iniciais do ensino fundamental.
Os objetivos gerais do estudo consistiu em formar o leitor autônomo (alunos e professores das séries iniciais), através do estímulo à sensibilidade, criatividade e criticidade e da formação do gosto pela leitura, contribuindo para a construção de uma cidadania plena. Prevê na motivação da leitura nas séries iniciais para a formação de leitores efetivamente comprometidos com a prática social. Tais objetivos podem ser traduzidos nas seguintes ações que vem sendo implementadas paulatinamente.
Assim este estudo definiu como importante o cultivo do espaço da biblioteca, através do Laboratório de Leitura, Literatura e Educação, como lugar onde a prática de leitura não esteja restrita à pesquisa e consulta, mas voltada para a satisfação de necessidades mais amplas do ser humano (culturais, afetivas, estéticas, etc.); Estimular o uso da literatura infantil como elemento essencial para a formação do leitor nas séries iniciais; Estimular o trabalho com a oralidade no texto literário, aproveitando o universo infantil para as várias possibilidades de leitura; Formar o professor das séries iniciais como contador de histórias e criar conjuntamente metodologias que proporcionem a formação do gosto; Acompanhar e orientar o trabalho desenvolvido por professores em sala de aula; Disseminar e multiplicar as metodologias para formação do leitor; Habilitar o aluno para consulta em bibliotecas (conhecimento de regras de funcionamento, cuidados com acervo, procedimentos para inscrição, consulta e/ou retirada de trabalhos, etc.);
Constituir acervo diversificado de literatura infantil e de material didático-pedagógico para alunos e professores, bem como produzir guias de leitura que auxiliem na seleção de obras literárias adequadas para o trabalho nas séries iniciais; expandir as formas de interpretação de textos escritos para diferentes campos de linguagem (teatro, artes plásticas, música, cinema, etc.). Proporcionar acesso de alunos das séries iniciais a novas tecnologias, como o computador, por exemplo, desmistificando seu uso e viabilizando-o como nova possibilidade de linguagem.
2. A LEITURA COMO PROCESSO COMPLEXO
O ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão, de entender o mundo a partir de uma característica particular ao homem: sua capacidade de interação com o outro através das palavras, que por sua vez estão sempre submetidas a um contexto. Desta forma as autoras afirmam que a recepção de um texto nunca poderá ser entendida como um ato passivo, pois quem escreve o faz pressupondo o outro. Desta forma, a interação leitor-texto se faz presente desde o início de sua construção.
Nas trilhas do mesmo entendimento, Souza (1992) afirma:
"Leitura é, basicamente, o ato de perceber e atribuir significados através de uma conjunção de fatores pessoais com o momento e o lugar, com as circunstâncias. Ler é interpretar uma percepção sob as influências de um determinado contexto. Esse processo leva o indivíduo a uma compreensão particular da realidade"(p. 22).
Vislumbramos em Freire (1989) este olhar sobre leitura quando nos diz que a "leitura do mundo" precede a leitura da palavra, ou seja, a compreensão do texto se dá a partir de uma leitura crítica, percebendo a relação entre o texto e o contexto.
Dessa forma, um leitor crítico não é apenas um decifrador de sinais, mas sim aquele que se coloca como co-enunciador, travando um diálogo com o escritor, sendo capaz de construir o universo textual e produtivo na medida em que refaz o percurso do autor, instituindo-se como sujeito do processo de ler.
Nesta concepção de leitura onde o leitor dialoga com o autor, a leitura torna-se uma atividade social de alcance político. Ao permitir a interação entre os indivíduos, a leitura não pode ser compreendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que deve ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos.
A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro. (SILVA, 1985). Brandão (1997) nos afirmam que o leitor se institui no texto em duas instâncias:
"No nível pragmático, o texto enquanto objeto veiculador de uma mensagem está atento em relação ao seu destinatário, mobilizando estratégias que tornem possíveis e facilitem a comunicação". No nível lingüístico-semântico, o texto é uma potencialidade significativa que se atualiza no ato da leitura, levado a efeito por um leitor instituído no próprio texto, capaz de reconstruir o universo representado a partir das indicações, pistas gramaticais, que lhe são fornecidas." (p. 77).
Essa é uma perspectiva que concebe a leitura como um processo de compreensão amplo, envolvendo aspectos sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos. Segundo Martins (1989), o ato de ler é considerado ''um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, por meio de qualquer linguagem''.
Há que se encarar o leitor como atribuidor de significados e, nessa atribuição, levar-se em conta a interferência da bagagem cultural do receptor sobre o processo de decodificação e interpretação da mensagem. Assim, no momento da leitura, o leitor interpreta o signo sob a influência de todas as suas experiências com o mundo, ou seja, sua memória cultural é que direcionará as decodificações futuras. Todavia, para a formação deste leitor que consegue por em prática sua criticidade, é necessário que haja um estímulo contínuo para o contato entre o indivíduo e o trabalho.
O jovem e a criança precisam ser seduzidos para a leitura, desconsiderando neste processo qualquer artifício que possa tornar a leitura uma obrigação. Martins (1989) chama a atenção para o contato sensorial com o trabalho, pois antes de ser um texto escrito, um trabalho é um objeto; tem forma, cor, textura. Na criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na para a concretização do ato de ler o texto escrito. A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da leitura.
Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento do leitor e sua atitude frente ao texto. No dia-a-dia, uma pessoa pode ler para agir – ao ler uma placa, ou para sentir prazer – ao ler um gibi ou um romance, ou para informar-se – ao ler uma notícia de jornal. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. São essas práticas sociais que precisam ser vividas em nossas salas de aula.
Apesar de todos os problemas funcionais e estruturais, é na escola que as crianças aprendem a ler. Muitas têm no ambiente escolar, o primeiro (e, às vezes, o único) contato com a literatura. Assim fica claro que a escola, por ser estruturada com vistas à alfabetização e tendo um caráter formativo, constitui-se num ambiente privilegiado para a formação do leitor.
3. A FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO
A literatura infantil é como uma manifestação de sentimentos e palavras, que conduz a criança ao desenvolvimento do seu intelecto, da personalidade, satisfazendo suas necessidades e aumentando sua capacidade crítica. Esta literatura, como já foi expressa, tem o poder de estimular e/ou suscitar o imaginário, de responder as dúvidas do indivíduo em relação a tantas perguntas, de encontrar novas idéias para solucionar questões e instigar a curiosidade do leitor. Nesse processo, ouvir histórias tem uma importância que vai além do prazer. É através de um conto e/ou de uma história, que a criança pode conhecer coisas novas, para que efetivamente sejam iniciados a construção da linguagem, da oralidade, idéias, valores e sentimentos, os quais ajudarão na sua formação pessoal.
Considera-se que o gosto pela leitura se constrói através de um longo processo e que é fundamental para o desenvolvimento de potencialidades, há a necessidade de se propor atividades diversas e diferenciadas para a formação do leitor crítico.
De acordo com Zilberman (2003, p.30):"... o uso do trabalho na escola nasce, pois, de um lado, da relação que se estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância..."
Muitos estudos e pesquisas têm evidenciado a importância das atividades literárias diferenciadas no contexto educacional para o bom desempenho da criança. A utilização da literatura como recurso pedagógico pode ser enriquecida e potencializada pela qualidade das intervenções do educador.
Assim, o educador preocupado com a formação do gosto pela leitura deve reservar espaços em que proponha atividades novas sem o compromisso de impor leituras e avaliar o educando. Trata-se de operacionalizar espaços na escola e na sala de aula onde a leitura por fruição-prazer possa ser vivenciada pelas crianças e jovens.
As várias atividades propostas podem ajudar no contexto educacional, se bem utilizadas a partir de um conto: o pintar; o desenhar no contexto da história; discutir sobre as partes da história que as crianças mais gostaram; trocar experiências a partir da história contada; adivinhar o que vai acontecer e/ou imaginar finais e situações diferentes; colar; usar massa de modelar; usar bexiga; barbante; construir objetos com sucata; elaborar textos; encenar uma peça teatral; utilizar papéis diversos; confeccionar novos materiais; trabalhar em grupo etc, podem contribuir para a formação de um ser criativo, crítico, imaginativo, companheiro e provavelmente leitor.
Nesse contexto, o professor deve proporcionar várias atividades inovadoras, procurando conhecer os gostos de seus alunos e a partir daí escolher um trabalho ou uma história que vá ao encontro das necessidades da criança, adaptando o seu vocabulário, despertando esse educando para o gosto, deixando-o se expressar. Acredita-se assim que a proposta de atividades variadas é de grande valor para o processo de construção da autonomia e desenvolvimento da criança em formação.
4. O LUGAR DA LITERATURA NA ESCOLA
"É na escola que identificamos e formamos leitores..." Bamberger (1988). Quando se fala em criança, pode-se perceber que a literatura é indispensável na escola como meio necessário para que a mesma compreenda o que acontece ao seu redor e para que seja capaz de interpretar diversas situações e escolher os caminhos com os quais se identifica.
Entende-se que a leitura é um dos caminhos de inserção no mundo e da satisfação de necessidades do ser humano. No entanto, muitos professores desconhecem a importância da leitura e da literatura mais especificamente por ignorar seu valor e/ou por falta de informação. A prática educativa com a literatura nas séries iniciais do ensino fundamental quase sempre se resume em textos repetitivos, seguidos por cópias e exercícios dirigidos e mecânicos, onde o espaço para reflexão e compreensão sobre si e sobre o mundo raramente encontra lugar.
Não podemos nos referir à leitura como um ato mecânico sem a preocupação de buscar significados. Desse modo, é necessário que dentro do ambiente escolar o professor faça a mediação entre o trabalho e o aluno, para que assim sejam criadas situações onde o aluno seja capaz de realizar sua própria leitura, concordando ou discordando e ainda fazendo uma leitura crítica do que lhe foi apresentado.
Daí a importância em se propiciar a leitura e a literatura de modo a permitir ao aluno criar e recriar o universo de possibilidades que o texto literário oferece. Pode-se dizer que a escola tem a oportunidade de estimular o gosto pela leitura se consegue promover de maneira lúdica o encontro da criança com o trabalho.
A esse respeito Zilberman (2003, p. 16) descreve que:
"... a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo importante para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada, muito menos desmentida sua utilidade. Por isso, o educador deve adotar uma postura criativa que estimule o desenvolvimento integral da criança."
A literatura tem sua importância no âmbito escolar devido ao fornecimento de condições que propicia à criança em formação. Essa literatura é um fenômeno de criatividade, aprendizagem e prazer, que representa o mundo e a vida através das palavras.
Sabe-se que a literatura é um processo de continuo prazer, que ajuda na formação de um ser pensante, autônomo, sensível e crítico que, ao entrar nesse processo prazeroso, se delicia com historias e textos diversos, contribuindo assim para a construção do conhecimento e suscitando o imaginário.
Hoje se percebe também que quando bem utilizado no ambiente escolar, o trabalho de literatura pode contribuir ainda para o desenvolvimento pessoal, intelectual, conduzindo a criança ao mundo da escrita. Dessa forma, a literatura infantil tem sua importância na escola e torna-se indispensável por conter todos os aspectos aqui levantados, sendo de grande valor por proporcionar o desenvolvimento e a aprendizagem da criança em sua amplitude.
5. A LEITURA EXTRACLASSE: NECESSIDADE E POSSIBILIDADES
Para tratarmos da leitura a ser feita fora da escola e fora da área específica de língua portuguesa e literatura brasileira, é interessante partirmos de uma caracterização da pedagogia tradicional da leitura. Nosso propósito, com isso, é situar historicamente a tão discutida crise de leitura. Em seguida, tentaremos mostrar por quais caminhos foi sendo ampliada a concepção de leitura e, por extensão, a sua prática no âmbito da escola. Finalmente, elencaremos alguns princípios norteadores do ensino-aprendizagem da leitura, tal como ela se coloca contemporaneamente.
É possível afirmarmos que o ato de ler, no modelo tradicional de escola, caracteriza-se, principalmente, pelo seu caráter reprodutor. Considera-se bom leitor aquele aluno que consegue devolver ao professor a palavra do trabalho didático. A avaliação da compreensão de leitura tem-se limitado à capacidade de captar informações explícitas na superfície do texto. Isso se deve, certamente, às concepções de língua, texto e leitura subjacentes à prática pedagógica. Assim, concebe-se a língua como um código transparente e exterior ao indivíduo, o texto como uma mera soma de palavras e frases, e a leitura como a busca/confirmação de um sentido preestabelecido.
A leitura é sistematicamente, submetida às rotinas padronizadas dentro da escola e termina por perder seu sentido mais profundo. Em última instância, acaba sendo um fator decisivo e determinante do fracasso escolar. Do ponto de vista dos objetos de leitura, essas rotinas descaracterizam o trabalho, a revista e os demais materiais que circulam na vida social. Cortado, adaptado, Mimeografado, o texto, enquanto objeto sociocultural se transfigura, porque se "pedagogiza". Bordini e Aguiar (1993) referem-se à escolarização do texto, mostrando que o ato de ler - individual em sua essência - transforma-se numa comunicação interpessoal, condicionada pela falta de trabalhos para todos e pela concentração de muitos sujeitos num mesmo espaço físico. Com relação aos materiais, afirmam as autoras:
A destruição da leitura e do leitor já foi objeto de uma importante investigação feita por Silva (1985). A autora mostra o controle exercido pela escola sobre o que e como se deve ler. Além disso, historicamente a leitura tem sido usada como pretexto para atividades estritamente mecânicas. É o caso da uma prática ainda hoje bastante presente na sala de aula: ler para imitar o autor.
O uso do texto como pretexto foi discutido por Lajolo (1985). Nesse artigo, Lajolo enumerou uma série de práticas pedagógicas em torno da leitura que foge ao seu sentido intrínseco: ler para imitar recursos estilísticos, ler para fazer análise sintática, ler para procurar palavras desconhecidas no dicionário, ler para aprender modelos de conduta moral... Essa última, aliás, tem sido a marca da entrada da literatura na escola, sobretudo a infantil - forjam-se textos para que as crianças assimilem padrões de conduta adequada à ordem social vigente: obediência, submissão, docilidade e outros. A raiz desse fenômeno, detectável em cartilhas e trabalhos didáticos infantis, está na pedagogia jesuítica, em que a leitura era utilizada com fins claramente evangelizadores.
Foi também Lajolo (1985) quem afirmou ser a poesia "uma frágil vítima dos manuais escolares". A autora encontrou, num trabalho didático, o poema O vestido de Laura, de Cecília Meireles. Lamentavelmente, a exploração didática do poema se limitava a questões exteriores ao texto enquanto proposição poética. Assim, havia perguntas do tipo: Quantos babados tem o vestido de Laura?. Ou, ainda, certas perguntas exigiam que o aluno completasse lacunas com palavras retiradas do texto. Tais procedimentos anulavam - ou não deixavam ver - a reflexão existencial subjacente ao poema, que, na verdade, tematiza a efemeridade da vida.
Em termos do texto literário propriamente dito, seu tratamento em nível de primeiro grau se reduz a fragmentos de trabalhos, com os problemas já apontados anteriormente, ou aos chamados paradidáticos, os quais constituem hoje um vigoroso mercado. Editoras e editores definem muitos modos de operar e avaliar a leitura na escola e fora dela. Roteiros e fichas, divulgados em catálogos atraentes, encobrem as condições reais de trabalho e de leitura do professor. Ao nível do segundo grau, a literatura é trabalhada, centralmente, através de biografias de autores, estudo das escolas literárias e memorização de listas de obras. Não se explora a especificidade do texto literário, nem se lê a obra propriamente dita. A pressa do mundo industrializado e massificado, a pressão do vestibular, o caráter indefinido do segundo grau enquanto modalidade de ensino, tudo isso vai fazendo o aluno ler pedaços e resumos de trabalhos, desvalorizar a literatura e abandonar o trabalho (Lajolo, 1985).
6. O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LEITURA
Salientemos, em primeiro lugar, que os fundamentos aqui expostos não esgotam o tema da leitura e de seu ensino. Buscaremos, com o que segue mostrar como diferentes correntes teóricas puderam informar certo modo de ver a leitura, modo esse que está condicionado a recortes epistemológicos e que, portanto, não resulta de uma aplicação direta de uma teoria particular a uma situação de ensino particular. Talvez devamos falar em diretrizes que possam orientar a didática da leitura, no sentido de superar os problemas e a situação de crise configurada no começo de nossa exposição.
Um outro aspecto a salientar é que, quando falamos em leitura extra classe, não queremos estabelecer oposição com a leitura que se faz na escola e na sala de aula. Ao contrário, nossa visão é processual, ou seja, lê-se na escola, aprende-se a ler na escola para se ler fora dela, e continuamente; lê-se na escola e aprende-se a ler na escola porque, efetivamente, lê-se fora dela. Isso nos coloca, inicialmente, o desafio de fazer a leitura extrapolar sua finalidade estritamente pedagógica. A escola é um espaço de leitura, entre os muitos que há: a família, a igreja, o trabalho, o grupo de amigos, o quarto de dormir etc.
Passemos agora aos fundamentos. Consideremos a escola o lugar de se aprender a ler e a gostar de ler. Nesse lugar, desempenha papel fundamental o professor. Ele, como "texto", foi o parceiro, o mediador, o articulador de muitas e diferentes leituras, de muitos e diferentes textos. É o que sugere Silva (1985). Depois de afirmar que o professor é o melhor "trabalho" a ser lido pelos alunos, o autor mostra que, agindo assim, o professor é o responsável pela interdisciplinaridade, na medida em que faz incursões pelos diferentes campos do conhecimento.
Para ler muito, ler tudo, alunos e professor devem dessacralizar o trabalho e a biblioteca, que deixam de ser objeto de adoração e templo sagrado, intocáveis. Ler tudo implica, inclusive, trazer para dentro da escola os textos esquecidos, considerados "subliteratura": o gibi, o catálogo telefônico, o best-selller, a propaganda, o panfleto que se distribui na rua, a receita de culinária, ao lado dos clássicos, da literatura informativa. Ler tudo implica desvendar, elucidar a retórica de cada texto, a gramática subjacente a cada um. Desprovidos de preconceito, livres das amarras das rotinas burocratizadas da escola, faremos da leitura um ato criador / questionador.
É o que sugerem Bordini e Aguiar (1993). As autoras propõem uma seqüência para a didática da leitura (e seqüência aqui não quer dizer imobilidade), a qual pode ser bastante produtiva: diagnóstico de necessidades e expectativas do aluno; atendimento das necessidades e expectativas; ruptura e quebra das expectativas; questionamento; alargamento da vivência cultural e da visão de mundo. Com base nessa seqüência, seria possível, por exemplo, ler um texto-clichê, questioná-lo e confrontá-lo com o texto literário, singular por definição. Teríamos aí o atendimento dos interesses e necessidades do aluno, mas também, e, sobretudo, a possibilidade de criar novas necessidades culturais e estéticas, aprendidas na escola.
Torna-se imprescindível, como se vê criar no ambiente pedagógico um clima favorável à leitura, marcado por interações abertas e democráticas. Interações que vão permitir muitas leituras de um mesmo texto, por sujeitos que têm histórias, competências, interesses, valores e crenças diferentes. Ao professor cabe reconstruir com seus alunos a trajetória interpretativa de cada um, buscando compreender a construção de cada sentido apontado.
A diversidade ainda deve ser o eixo dos propósitos da leitura, determinando diferentes tipos de relação com o texto. Bordini e Aguiar, citadas acima, apresentam, na mesma obra, vários métodos para o encaminhamento pedagógico da leitura: o científico, o criativo, o comunicacional, o semasiológico e o recepcional, que estariam ligados, respectivamente, à busca de informação, à recriação do texto, à identificação dos elementos do processo comunicativo, às diferentes linguagens e sistemas semióticos e, finalmente, ao impacto da obra sobre o leitor. Como deve ter ficado claro, são diversas as possibilidades de exploração, encaminhamento e avaliação da leitura na sala de aula.
A proposta de Bordini e Aguiar guarda certa semelhança com a tipologia de leitura sugerida por Geraldi (1997). Esse autor diz que, conforme a relação que estabelecemos com o texto, terá: leitura-busca-de-informações; leitura-atividade; leitura-fruição e leitura-pretexto. Discutindo a leitura-pretexto, Geraldi (1997) afirma não ver problema no fato de um texto ser utilizado como pretexto para certa prática escolar. A questão estaria, segundo ele, em como a escola constitui a nossa relação com os modelos: trata-se de optar entre uma relação de submissão, para pura imitação, e uma relação crítica e criativa, para se ampliar o sistema de referências culturais e simbólicas. Temos aqui delineada a necessidade de atribuir sentido a toda e qualquer prática de leitura. Como foi destacado por Kleiman (1997), as interações conferem sentido ao ato de ler e toda atividade pedagógica relativa a ele deve ser exeqüível, relevante e dotada de sentido, numa cadeia ininterrupta.
Com relação à aprendizagem do sistema lingüístico, a leitura se constitui numa prática das mais valorosas. Isso porque permite o acesso a formas caracteristicamente explícitas de interação verbal, como salientado por Rego (s.d.), em estudo sobre aspectos sócio-funcionais da escrita e da alfabetização. Desse modo, se as interações cotidianas, em contextos privados e imediatos, ocorrem de forma relativamente bem-sucedida, o mesmo não se pode dizer do trato com a língua formal em contextos mais abstratos de interação a distância. A leitura é, portanto, caminho e oportunidade de lidar com a escrita e seu alto grau de abstração e autonomia contextual.
Em se tratando de recursos expressivos, a inserção no mundo da escrita amplia nosso repertório lingüístico, funcionando, indubitavelmente, como um entre os vários caminhos da aprendizagem da língua. E aqui devemos falar do papel do professor e da escola outra vez: ninguém aprende a lidar com a língua e o uso da língua de modo automático e espontâneo. É preciso que alguém ensine o aluno a desenvolver sua sensibilidade e a lançar novos olhares sobre os sistemas simbólicos. O olhar apurado, aprendido, faz um novo sujeito, que questiona, indaga, descobre, inventa, compara, coteja, transforma, aprende, ensina. Por isso a análise comparativa de textos se faz tão fecunda.
Por exemplo, já tivemos oportunidade de realizar, em sala de aula, uma atividade de leitura do célebre poema de Manuel Bandeira sobre os meninos carvoeiros. O caráter de texto literário permitiu um trabalho com diversos conceitos como os de gênero literário, recursos expressivos, níveis de linguagem, imagens e metáforas, símbolos e sugestões, universalidade do texto literário, especificidades da obra poética, o lúdico, a rima, o ritmo, o som, a magia, a fantasia. De outra parte, por reconhecer que também é preciso trabalhar com leituras informativas, cuja interpretação é condicionada por um determinado contexto sócio-histórico, leituras mais ligadas às demais áreas de conhecimento e à pesquisa, propusemos, ainda como parte da atividade, a leitura do texto jornalístico Os homens da fumaça, sobre carvoeiros, adultos e crianças quase-escravos do Centro-Oeste do Brasil. Essa foi uma matéria publicada na Revista Veja e o confronto dos textos nos permitiu, no processo de ensino, um diálogo do presente com o passado, num diálogo de visões de mundo, um diálogo de modos de operar com a linguagem.
Por isso, certamente, os estudiosos da leitura remetem tão freqüentemente ao conceito de intertexto, que é o que, de fato, a escola deve fazer e permitir que se faça dentro e fora dela. Se, nesse aspecto, ela for bem-sucedida, terá cumprido sua função. Abaurre (1985) defendem enfaticamente a importância da leitura para a aprendizagem em geral. Os autores chegam a afirmar que a capacidade de ler é a grande herança que a escola pode deixar para o aluno. Com base neles, encerramos nossa exposição, dizendo que a leitura - tal como aqui concebida -, se for bem aprendida e prosseguir fora da escola, constitui-se num caminho para a realização de mais interações, construção de mais sentidos, superação do imediato e concretização de uma vida mais feliz para todos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro. Na criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na para a concretização do ato de ler o texto escrito.
A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da leitura. Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento do leitor e sua atitude frente ao texto. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. Nesse processo, ouvir histórias tem uma importância que vai além do prazer. "O uso do trabalho na escola nasce, pois, de um lado, da relação que se estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância...".
Muitos estudos e pesquisas têm evidenciado a importância das atividades literárias diferenciadas no contexto educacional para o bom desempenho da criança. A utilização da literatura como recurso pedagógico pode ser enriquecida e potencializada pela qualidade das intervenções do educador.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABAURRE, M. B. e outros. Leitura e escrita na vida e na escola. Em: Leitura - teoria e prática, ano 4, no 6, dez/1985, pp. 15-26.
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 4 ed. São Paulo: Ática, 1988.
BORDINI, M.G. e AGUIAR, V.T. Literatura: a formação do leitor - alternativas metodológicas. 2.ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
BRANDÂO, Helena; MICHELETTI, Guaraciaba. Teoria e prática da leitura. In: Ensinar e aprender com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam.23ª. ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
GERALDI, J.W. Prática da leitura na escola. Em: ______. (org.). O texto na sala de aula.
KLEIMAN, Â. Oficina de leitura: teoria e prática. 5.ed., Campinas: Pontes/Ed. da UNICAMP, 1997.
LAJOLO, M. O texto não é pretexto. Em: ZILBERMAN, R. (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
LEITE, L.C.M. Gramática e literatura: desencontros e esperanças. Em: GERALDI, J.W. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997, pp. 17-25.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1989.
SILVA, Ezequiel T. Leitura: algumas raízes do problema. Campinas, FE/UNICAMP, 1985.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura & Realidade Brasileira. 2 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
SOUZA, Renata Junqueira de. Narrativas Infantis: a literatura e a televisão de que as crianças gostam. Bauru: USC, 1992.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global, 2003.
Fonte: Webartigos.com Textos e artigos gratuitos, conteúdo livre para reprodução. 1» Envie este artigo para seus amigos!» Quer publicar artigos? Crie seu perfil de escritor!1 A fonte do artigo e informações do autor devem ser mantidas. Reprodução apenas na Internet.
INTRODUÇÃO
No momento atual, a tônica no ensino de língua está no texto. Mas muitas pessoas ainda desconhecem os estudos que têm sido feitos nas áreas da psicolingüística e da lingüística textual ou conhecem, porém não tem ainda muito claro como colocá-los em prática em sala de aula.
Mediante a isso, procura-se neste estudo reunir, na sua fundamentação, questões teóricas de diversas fontes sobre leitura e escritura de textos, bem como sobre outras questões relativas à textualidade, gêneros textuais, motivação e letramento que julgo serem necessárias para poder dá consistência a essa reflexão pedagógica.
Ressalta-se, porém, que este trabalho só traz idéias básicas, não eximindo a leitura das obras originais consultadas. Pelo contrário, espera-se que essas idéias trazidas sirvam de estímulo para a busca às fontes. De modo algum estou querendo passar receitas prontas, mas tentando servir como uma espécie de "pontapé inicial" para trabalhos com leitura diversos gêneros textuais em sala de aula.
A leitura, as práticas e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação e na mídia brasileira. Em 2003, o Brasil obteve desempenho insatisfatório em duas grandes pesquisas: uma de âmbito nacional - Instituto Paulo Montenegro - divulgou que 72% de jovens são alfabetos funcionais, ou seja, não sabem ler e escrever. Em outra internacional, o PISA - Programa Internacional para Avaliação de Estudantes, o país ocupou o 37o. lugar em letramento de leitura. Algumas ações têm tentado mobilizar escolas, professores, diretores e sociedade para mudar este quadro: PNLD - Programa Nacional do Trabalho Didático através dos módulos literários, o PNBE - Programa Nacional Biblioteca na Escola, campanhas como "Tempo de Leitura" e "Literatura em Minha Casa", entre outras. Estas iniciativas mostram algo em comum: a utilização de textos literários e a proposta para o uso de diversos tipos de textos nas ações voltadas para leitura. No entanto, nota-se que as instituições de ensino encontram dificuldades em fazer uso da literatura como objeto de leitura.
Entre vários problemas estruturais já tão denunciados pelas pesquisas e estudos realizados, ressalta-se aqui a questão da formação docente como um dos principais entraves a uma prática educativa de qualidade, especialmente no que se refere ao ensino da leitura. Entende se que, ainda que todos os quesitos ideais necessários a uma prática de ensino da leitura fossem efetivados na escola, indispensável seria a presença de professores leitores, que sentissem prazer na leitura, que fossem bem informados e instrumentalizados para tal prática.
O ensino da leitura e, particularmente, a importância da literatura na formação pessoal e intelectual do ser humano ainda nas séries iniciais, encontram pouco espaço nos programas de formação inicial e continuada das escolas brasileiras. Este estudo pretende desenvolver atividades que convergem para ações voltadas diretamente para alunos e professores das séries iniciais do ensino fundamental.
Os objetivos gerais do estudo consistiu em formar o leitor autônomo (alunos e professores das séries iniciais), através do estímulo à sensibilidade, criatividade e criticidade e da formação do gosto pela leitura, contribuindo para a construção de uma cidadania plena. Prevê na motivação da leitura nas séries iniciais para a formação de leitores efetivamente comprometidos com a prática social. Tais objetivos podem ser traduzidos nas seguintes ações que vem sendo implementadas paulatinamente.
Assim este estudo definiu como importante o cultivo do espaço da biblioteca, através do Laboratório de Leitura, Literatura e Educação, como lugar onde a prática de leitura não esteja restrita à pesquisa e consulta, mas voltada para a satisfação de necessidades mais amplas do ser humano (culturais, afetivas, estéticas, etc.); Estimular o uso da literatura infantil como elemento essencial para a formação do leitor nas séries iniciais; Estimular o trabalho com a oralidade no texto literário, aproveitando o universo infantil para as várias possibilidades de leitura; Formar o professor das séries iniciais como contador de histórias e criar conjuntamente metodologias que proporcionem a formação do gosto; Acompanhar e orientar o trabalho desenvolvido por professores em sala de aula; Disseminar e multiplicar as metodologias para formação do leitor; Habilitar o aluno para consulta em bibliotecas (conhecimento de regras de funcionamento, cuidados com acervo, procedimentos para inscrição, consulta e/ou retirada de trabalhos, etc.);
Constituir acervo diversificado de literatura infantil e de material didático-pedagógico para alunos e professores, bem como produzir guias de leitura que auxiliem na seleção de obras literárias adequadas para o trabalho nas séries iniciais; expandir as formas de interpretação de textos escritos para diferentes campos de linguagem (teatro, artes plásticas, música, cinema, etc.). Proporcionar acesso de alunos das séries iniciais a novas tecnologias, como o computador, por exemplo, desmistificando seu uso e viabilizando-o como nova possibilidade de linguagem.
2. A LEITURA COMO PROCESSO COMPLEXO
O ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão, de entender o mundo a partir de uma característica particular ao homem: sua capacidade de interação com o outro através das palavras, que por sua vez estão sempre submetidas a um contexto. Desta forma as autoras afirmam que a recepção de um texto nunca poderá ser entendida como um ato passivo, pois quem escreve o faz pressupondo o outro. Desta forma, a interação leitor-texto se faz presente desde o início de sua construção.
Nas trilhas do mesmo entendimento, Souza (1992) afirma:
"Leitura é, basicamente, o ato de perceber e atribuir significados através de uma conjunção de fatores pessoais com o momento e o lugar, com as circunstâncias. Ler é interpretar uma percepção sob as influências de um determinado contexto. Esse processo leva o indivíduo a uma compreensão particular da realidade"(p. 22).
Vislumbramos em Freire (1989) este olhar sobre leitura quando nos diz que a "leitura do mundo" precede a leitura da palavra, ou seja, a compreensão do texto se dá a partir de uma leitura crítica, percebendo a relação entre o texto e o contexto.
Dessa forma, um leitor crítico não é apenas um decifrador de sinais, mas sim aquele que se coloca como co-enunciador, travando um diálogo com o escritor, sendo capaz de construir o universo textual e produtivo na medida em que refaz o percurso do autor, instituindo-se como sujeito do processo de ler.
Nesta concepção de leitura onde o leitor dialoga com o autor, a leitura torna-se uma atividade social de alcance político. Ao permitir a interação entre os indivíduos, a leitura não pode ser compreendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que deve ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos.
A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro. (SILVA, 1985). Brandão (1997) nos afirmam que o leitor se institui no texto em duas instâncias:
"No nível pragmático, o texto enquanto objeto veiculador de uma mensagem está atento em relação ao seu destinatário, mobilizando estratégias que tornem possíveis e facilitem a comunicação". No nível lingüístico-semântico, o texto é uma potencialidade significativa que se atualiza no ato da leitura, levado a efeito por um leitor instituído no próprio texto, capaz de reconstruir o universo representado a partir das indicações, pistas gramaticais, que lhe são fornecidas." (p. 77).
Essa é uma perspectiva que concebe a leitura como um processo de compreensão amplo, envolvendo aspectos sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos. Segundo Martins (1989), o ato de ler é considerado ''um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, por meio de qualquer linguagem''.
Há que se encarar o leitor como atribuidor de significados e, nessa atribuição, levar-se em conta a interferência da bagagem cultural do receptor sobre o processo de decodificação e interpretação da mensagem. Assim, no momento da leitura, o leitor interpreta o signo sob a influência de todas as suas experiências com o mundo, ou seja, sua memória cultural é que direcionará as decodificações futuras. Todavia, para a formação deste leitor que consegue por em prática sua criticidade, é necessário que haja um estímulo contínuo para o contato entre o indivíduo e o trabalho.
O jovem e a criança precisam ser seduzidos para a leitura, desconsiderando neste processo qualquer artifício que possa tornar a leitura uma obrigação. Martins (1989) chama a atenção para o contato sensorial com o trabalho, pois antes de ser um texto escrito, um trabalho é um objeto; tem forma, cor, textura. Na criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na para a concretização do ato de ler o texto escrito. A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da leitura.
Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento do leitor e sua atitude frente ao texto. No dia-a-dia, uma pessoa pode ler para agir – ao ler uma placa, ou para sentir prazer – ao ler um gibi ou um romance, ou para informar-se – ao ler uma notícia de jornal. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. São essas práticas sociais que precisam ser vividas em nossas salas de aula.
Apesar de todos os problemas funcionais e estruturais, é na escola que as crianças aprendem a ler. Muitas têm no ambiente escolar, o primeiro (e, às vezes, o único) contato com a literatura. Assim fica claro que a escola, por ser estruturada com vistas à alfabetização e tendo um caráter formativo, constitui-se num ambiente privilegiado para a formação do leitor.
3. A FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO
A literatura infantil é como uma manifestação de sentimentos e palavras, que conduz a criança ao desenvolvimento do seu intelecto, da personalidade, satisfazendo suas necessidades e aumentando sua capacidade crítica. Esta literatura, como já foi expressa, tem o poder de estimular e/ou suscitar o imaginário, de responder as dúvidas do indivíduo em relação a tantas perguntas, de encontrar novas idéias para solucionar questões e instigar a curiosidade do leitor. Nesse processo, ouvir histórias tem uma importância que vai além do prazer. É através de um conto e/ou de uma história, que a criança pode conhecer coisas novas, para que efetivamente sejam iniciados a construção da linguagem, da oralidade, idéias, valores e sentimentos, os quais ajudarão na sua formação pessoal.
Considera-se que o gosto pela leitura se constrói através de um longo processo e que é fundamental para o desenvolvimento de potencialidades, há a necessidade de se propor atividades diversas e diferenciadas para a formação do leitor crítico.
De acordo com Zilberman (2003, p.30):"... o uso do trabalho na escola nasce, pois, de um lado, da relação que se estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância..."
Muitos estudos e pesquisas têm evidenciado a importância das atividades literárias diferenciadas no contexto educacional para o bom desempenho da criança. A utilização da literatura como recurso pedagógico pode ser enriquecida e potencializada pela qualidade das intervenções do educador.
Assim, o educador preocupado com a formação do gosto pela leitura deve reservar espaços em que proponha atividades novas sem o compromisso de impor leituras e avaliar o educando. Trata-se de operacionalizar espaços na escola e na sala de aula onde a leitura por fruição-prazer possa ser vivenciada pelas crianças e jovens.
As várias atividades propostas podem ajudar no contexto educacional, se bem utilizadas a partir de um conto: o pintar; o desenhar no contexto da história; discutir sobre as partes da história que as crianças mais gostaram; trocar experiências a partir da história contada; adivinhar o que vai acontecer e/ou imaginar finais e situações diferentes; colar; usar massa de modelar; usar bexiga; barbante; construir objetos com sucata; elaborar textos; encenar uma peça teatral; utilizar papéis diversos; confeccionar novos materiais; trabalhar em grupo etc, podem contribuir para a formação de um ser criativo, crítico, imaginativo, companheiro e provavelmente leitor.
Nesse contexto, o professor deve proporcionar várias atividades inovadoras, procurando conhecer os gostos de seus alunos e a partir daí escolher um trabalho ou uma história que vá ao encontro das necessidades da criança, adaptando o seu vocabulário, despertando esse educando para o gosto, deixando-o se expressar. Acredita-se assim que a proposta de atividades variadas é de grande valor para o processo de construção da autonomia e desenvolvimento da criança em formação.
4. O LUGAR DA LITERATURA NA ESCOLA
"É na escola que identificamos e formamos leitores..." Bamberger (1988). Quando se fala em criança, pode-se perceber que a literatura é indispensável na escola como meio necessário para que a mesma compreenda o que acontece ao seu redor e para que seja capaz de interpretar diversas situações e escolher os caminhos com os quais se identifica.
Entende-se que a leitura é um dos caminhos de inserção no mundo e da satisfação de necessidades do ser humano. No entanto, muitos professores desconhecem a importância da leitura e da literatura mais especificamente por ignorar seu valor e/ou por falta de informação. A prática educativa com a literatura nas séries iniciais do ensino fundamental quase sempre se resume em textos repetitivos, seguidos por cópias e exercícios dirigidos e mecânicos, onde o espaço para reflexão e compreensão sobre si e sobre o mundo raramente encontra lugar.
Não podemos nos referir à leitura como um ato mecânico sem a preocupação de buscar significados. Desse modo, é necessário que dentro do ambiente escolar o professor faça a mediação entre o trabalho e o aluno, para que assim sejam criadas situações onde o aluno seja capaz de realizar sua própria leitura, concordando ou discordando e ainda fazendo uma leitura crítica do que lhe foi apresentado.
Daí a importância em se propiciar a leitura e a literatura de modo a permitir ao aluno criar e recriar o universo de possibilidades que o texto literário oferece. Pode-se dizer que a escola tem a oportunidade de estimular o gosto pela leitura se consegue promover de maneira lúdica o encontro da criança com o trabalho.
A esse respeito Zilberman (2003, p. 16) descreve que:
"... a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo importante para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada, muito menos desmentida sua utilidade. Por isso, o educador deve adotar uma postura criativa que estimule o desenvolvimento integral da criança."
A literatura tem sua importância no âmbito escolar devido ao fornecimento de condições que propicia à criança em formação. Essa literatura é um fenômeno de criatividade, aprendizagem e prazer, que representa o mundo e a vida através das palavras.
Sabe-se que a literatura é um processo de continuo prazer, que ajuda na formação de um ser pensante, autônomo, sensível e crítico que, ao entrar nesse processo prazeroso, se delicia com historias e textos diversos, contribuindo assim para a construção do conhecimento e suscitando o imaginário.
Hoje se percebe também que quando bem utilizado no ambiente escolar, o trabalho de literatura pode contribuir ainda para o desenvolvimento pessoal, intelectual, conduzindo a criança ao mundo da escrita. Dessa forma, a literatura infantil tem sua importância na escola e torna-se indispensável por conter todos os aspectos aqui levantados, sendo de grande valor por proporcionar o desenvolvimento e a aprendizagem da criança em sua amplitude.
5. A LEITURA EXTRACLASSE: NECESSIDADE E POSSIBILIDADES
Para tratarmos da leitura a ser feita fora da escola e fora da área específica de língua portuguesa e literatura brasileira, é interessante partirmos de uma caracterização da pedagogia tradicional da leitura. Nosso propósito, com isso, é situar historicamente a tão discutida crise de leitura. Em seguida, tentaremos mostrar por quais caminhos foi sendo ampliada a concepção de leitura e, por extensão, a sua prática no âmbito da escola. Finalmente, elencaremos alguns princípios norteadores do ensino-aprendizagem da leitura, tal como ela se coloca contemporaneamente.
É possível afirmarmos que o ato de ler, no modelo tradicional de escola, caracteriza-se, principalmente, pelo seu caráter reprodutor. Considera-se bom leitor aquele aluno que consegue devolver ao professor a palavra do trabalho didático. A avaliação da compreensão de leitura tem-se limitado à capacidade de captar informações explícitas na superfície do texto. Isso se deve, certamente, às concepções de língua, texto e leitura subjacentes à prática pedagógica. Assim, concebe-se a língua como um código transparente e exterior ao indivíduo, o texto como uma mera soma de palavras e frases, e a leitura como a busca/confirmação de um sentido preestabelecido.
A leitura é sistematicamente, submetida às rotinas padronizadas dentro da escola e termina por perder seu sentido mais profundo. Em última instância, acaba sendo um fator decisivo e determinante do fracasso escolar. Do ponto de vista dos objetos de leitura, essas rotinas descaracterizam o trabalho, a revista e os demais materiais que circulam na vida social. Cortado, adaptado, Mimeografado, o texto, enquanto objeto sociocultural se transfigura, porque se "pedagogiza". Bordini e Aguiar (1993) referem-se à escolarização do texto, mostrando que o ato de ler - individual em sua essência - transforma-se numa comunicação interpessoal, condicionada pela falta de trabalhos para todos e pela concentração de muitos sujeitos num mesmo espaço físico. Com relação aos materiais, afirmam as autoras:
A destruição da leitura e do leitor já foi objeto de uma importante investigação feita por Silva (1985). A autora mostra o controle exercido pela escola sobre o que e como se deve ler. Além disso, historicamente a leitura tem sido usada como pretexto para atividades estritamente mecânicas. É o caso da uma prática ainda hoje bastante presente na sala de aula: ler para imitar o autor.
O uso do texto como pretexto foi discutido por Lajolo (1985). Nesse artigo, Lajolo enumerou uma série de práticas pedagógicas em torno da leitura que foge ao seu sentido intrínseco: ler para imitar recursos estilísticos, ler para fazer análise sintática, ler para procurar palavras desconhecidas no dicionário, ler para aprender modelos de conduta moral... Essa última, aliás, tem sido a marca da entrada da literatura na escola, sobretudo a infantil - forjam-se textos para que as crianças assimilem padrões de conduta adequada à ordem social vigente: obediência, submissão, docilidade e outros. A raiz desse fenômeno, detectável em cartilhas e trabalhos didáticos infantis, está na pedagogia jesuítica, em que a leitura era utilizada com fins claramente evangelizadores.
Foi também Lajolo (1985) quem afirmou ser a poesia "uma frágil vítima dos manuais escolares". A autora encontrou, num trabalho didático, o poema O vestido de Laura, de Cecília Meireles. Lamentavelmente, a exploração didática do poema se limitava a questões exteriores ao texto enquanto proposição poética. Assim, havia perguntas do tipo: Quantos babados tem o vestido de Laura?. Ou, ainda, certas perguntas exigiam que o aluno completasse lacunas com palavras retiradas do texto. Tais procedimentos anulavam - ou não deixavam ver - a reflexão existencial subjacente ao poema, que, na verdade, tematiza a efemeridade da vida.
Em termos do texto literário propriamente dito, seu tratamento em nível de primeiro grau se reduz a fragmentos de trabalhos, com os problemas já apontados anteriormente, ou aos chamados paradidáticos, os quais constituem hoje um vigoroso mercado. Editoras e editores definem muitos modos de operar e avaliar a leitura na escola e fora dela. Roteiros e fichas, divulgados em catálogos atraentes, encobrem as condições reais de trabalho e de leitura do professor. Ao nível do segundo grau, a literatura é trabalhada, centralmente, através de biografias de autores, estudo das escolas literárias e memorização de listas de obras. Não se explora a especificidade do texto literário, nem se lê a obra propriamente dita. A pressa do mundo industrializado e massificado, a pressão do vestibular, o caráter indefinido do segundo grau enquanto modalidade de ensino, tudo isso vai fazendo o aluno ler pedaços e resumos de trabalhos, desvalorizar a literatura e abandonar o trabalho (Lajolo, 1985).
6. O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LEITURA
Salientemos, em primeiro lugar, que os fundamentos aqui expostos não esgotam o tema da leitura e de seu ensino. Buscaremos, com o que segue mostrar como diferentes correntes teóricas puderam informar certo modo de ver a leitura, modo esse que está condicionado a recortes epistemológicos e que, portanto, não resulta de uma aplicação direta de uma teoria particular a uma situação de ensino particular. Talvez devamos falar em diretrizes que possam orientar a didática da leitura, no sentido de superar os problemas e a situação de crise configurada no começo de nossa exposição.
Um outro aspecto a salientar é que, quando falamos em leitura extra classe, não queremos estabelecer oposição com a leitura que se faz na escola e na sala de aula. Ao contrário, nossa visão é processual, ou seja, lê-se na escola, aprende-se a ler na escola para se ler fora dela, e continuamente; lê-se na escola e aprende-se a ler na escola porque, efetivamente, lê-se fora dela. Isso nos coloca, inicialmente, o desafio de fazer a leitura extrapolar sua finalidade estritamente pedagógica. A escola é um espaço de leitura, entre os muitos que há: a família, a igreja, o trabalho, o grupo de amigos, o quarto de dormir etc.
Passemos agora aos fundamentos. Consideremos a escola o lugar de se aprender a ler e a gostar de ler. Nesse lugar, desempenha papel fundamental o professor. Ele, como "texto", foi o parceiro, o mediador, o articulador de muitas e diferentes leituras, de muitos e diferentes textos. É o que sugere Silva (1985). Depois de afirmar que o professor é o melhor "trabalho" a ser lido pelos alunos, o autor mostra que, agindo assim, o professor é o responsável pela interdisciplinaridade, na medida em que faz incursões pelos diferentes campos do conhecimento.
Para ler muito, ler tudo, alunos e professor devem dessacralizar o trabalho e a biblioteca, que deixam de ser objeto de adoração e templo sagrado, intocáveis. Ler tudo implica, inclusive, trazer para dentro da escola os textos esquecidos, considerados "subliteratura": o gibi, o catálogo telefônico, o best-selller, a propaganda, o panfleto que se distribui na rua, a receita de culinária, ao lado dos clássicos, da literatura informativa. Ler tudo implica desvendar, elucidar a retórica de cada texto, a gramática subjacente a cada um. Desprovidos de preconceito, livres das amarras das rotinas burocratizadas da escola, faremos da leitura um ato criador / questionador.
É o que sugerem Bordini e Aguiar (1993). As autoras propõem uma seqüência para a didática da leitura (e seqüência aqui não quer dizer imobilidade), a qual pode ser bastante produtiva: diagnóstico de necessidades e expectativas do aluno; atendimento das necessidades e expectativas; ruptura e quebra das expectativas; questionamento; alargamento da vivência cultural e da visão de mundo. Com base nessa seqüência, seria possível, por exemplo, ler um texto-clichê, questioná-lo e confrontá-lo com o texto literário, singular por definição. Teríamos aí o atendimento dos interesses e necessidades do aluno, mas também, e, sobretudo, a possibilidade de criar novas necessidades culturais e estéticas, aprendidas na escola.
Torna-se imprescindível, como se vê criar no ambiente pedagógico um clima favorável à leitura, marcado por interações abertas e democráticas. Interações que vão permitir muitas leituras de um mesmo texto, por sujeitos que têm histórias, competências, interesses, valores e crenças diferentes. Ao professor cabe reconstruir com seus alunos a trajetória interpretativa de cada um, buscando compreender a construção de cada sentido apontado.
A diversidade ainda deve ser o eixo dos propósitos da leitura, determinando diferentes tipos de relação com o texto. Bordini e Aguiar, citadas acima, apresentam, na mesma obra, vários métodos para o encaminhamento pedagógico da leitura: o científico, o criativo, o comunicacional, o semasiológico e o recepcional, que estariam ligados, respectivamente, à busca de informação, à recriação do texto, à identificação dos elementos do processo comunicativo, às diferentes linguagens e sistemas semióticos e, finalmente, ao impacto da obra sobre o leitor. Como deve ter ficado claro, são diversas as possibilidades de exploração, encaminhamento e avaliação da leitura na sala de aula.
A proposta de Bordini e Aguiar guarda certa semelhança com a tipologia de leitura sugerida por Geraldi (1997). Esse autor diz que, conforme a relação que estabelecemos com o texto, terá: leitura-busca-de-informações; leitura-atividade; leitura-fruição e leitura-pretexto. Discutindo a leitura-pretexto, Geraldi (1997) afirma não ver problema no fato de um texto ser utilizado como pretexto para certa prática escolar. A questão estaria, segundo ele, em como a escola constitui a nossa relação com os modelos: trata-se de optar entre uma relação de submissão, para pura imitação, e uma relação crítica e criativa, para se ampliar o sistema de referências culturais e simbólicas. Temos aqui delineada a necessidade de atribuir sentido a toda e qualquer prática de leitura. Como foi destacado por Kleiman (1997), as interações conferem sentido ao ato de ler e toda atividade pedagógica relativa a ele deve ser exeqüível, relevante e dotada de sentido, numa cadeia ininterrupta.
Com relação à aprendizagem do sistema lingüístico, a leitura se constitui numa prática das mais valorosas. Isso porque permite o acesso a formas caracteristicamente explícitas de interação verbal, como salientado por Rego (s.d.), em estudo sobre aspectos sócio-funcionais da escrita e da alfabetização. Desse modo, se as interações cotidianas, em contextos privados e imediatos, ocorrem de forma relativamente bem-sucedida, o mesmo não se pode dizer do trato com a língua formal em contextos mais abstratos de interação a distância. A leitura é, portanto, caminho e oportunidade de lidar com a escrita e seu alto grau de abstração e autonomia contextual.
Em se tratando de recursos expressivos, a inserção no mundo da escrita amplia nosso repertório lingüístico, funcionando, indubitavelmente, como um entre os vários caminhos da aprendizagem da língua. E aqui devemos falar do papel do professor e da escola outra vez: ninguém aprende a lidar com a língua e o uso da língua de modo automático e espontâneo. É preciso que alguém ensine o aluno a desenvolver sua sensibilidade e a lançar novos olhares sobre os sistemas simbólicos. O olhar apurado, aprendido, faz um novo sujeito, que questiona, indaga, descobre, inventa, compara, coteja, transforma, aprende, ensina. Por isso a análise comparativa de textos se faz tão fecunda.
Por exemplo, já tivemos oportunidade de realizar, em sala de aula, uma atividade de leitura do célebre poema de Manuel Bandeira sobre os meninos carvoeiros. O caráter de texto literário permitiu um trabalho com diversos conceitos como os de gênero literário, recursos expressivos, níveis de linguagem, imagens e metáforas, símbolos e sugestões, universalidade do texto literário, especificidades da obra poética, o lúdico, a rima, o ritmo, o som, a magia, a fantasia. De outra parte, por reconhecer que também é preciso trabalhar com leituras informativas, cuja interpretação é condicionada por um determinado contexto sócio-histórico, leituras mais ligadas às demais áreas de conhecimento e à pesquisa, propusemos, ainda como parte da atividade, a leitura do texto jornalístico Os homens da fumaça, sobre carvoeiros, adultos e crianças quase-escravos do Centro-Oeste do Brasil. Essa foi uma matéria publicada na Revista Veja e o confronto dos textos nos permitiu, no processo de ensino, um diálogo do presente com o passado, num diálogo de visões de mundo, um diálogo de modos de operar com a linguagem.
Por isso, certamente, os estudiosos da leitura remetem tão freqüentemente ao conceito de intertexto, que é o que, de fato, a escola deve fazer e permitir que se faça dentro e fora dela. Se, nesse aspecto, ela for bem-sucedida, terá cumprido sua função. Abaurre (1985) defendem enfaticamente a importância da leitura para a aprendizagem em geral. Os autores chegam a afirmar que a capacidade de ler é a grande herança que a escola pode deixar para o aluno. Com base neles, encerramos nossa exposição, dizendo que a leitura - tal como aqui concebida -, se for bem aprendida e prosseguir fora da escola, constitui-se num caminho para a realização de mais interações, construção de mais sentidos, superação do imediato e concretização de uma vida mais feliz para todos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um estudo, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro. Na criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do trabalho, motivam-na para a concretização do ato de ler o texto escrito.
A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da leitura. Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento do leitor e sua atitude frente ao texto. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. Nesse processo, ouvir histórias tem uma importância que vai além do prazer. "O uso do trabalho na escola nasce, pois, de um lado, da relação que se estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância...".
Muitos estudos e pesquisas têm evidenciado a importância das atividades literárias diferenciadas no contexto educacional para o bom desempenho da criança. A utilização da literatura como recurso pedagógico pode ser enriquecida e potencializada pela qualidade das intervenções do educador.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABAURRE, M. B. e outros. Leitura e escrita na vida e na escola. Em: Leitura - teoria e prática, ano 4, no 6, dez/1985, pp. 15-26.
BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 4 ed. São Paulo: Ática, 1988.
BORDINI, M.G. e AGUIAR, V.T. Literatura: a formação do leitor - alternativas metodológicas. 2.ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
BRANDÂO, Helena; MICHELETTI, Guaraciaba. Teoria e prática da leitura. In: Ensinar e aprender com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam.23ª. ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
GERALDI, J.W. Prática da leitura na escola. Em: ______. (org.). O texto na sala de aula.
KLEIMAN, Â. Oficina de leitura: teoria e prática. 5.ed., Campinas: Pontes/Ed. da UNICAMP, 1997.
LAJOLO, M. O texto não é pretexto. Em: ZILBERMAN, R. (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
LEITE, L.C.M. Gramática e literatura: desencontros e esperanças. Em: GERALDI, J.W. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997, pp. 17-25.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1989.
SILVA, Ezequiel T. Leitura: algumas raízes do problema. Campinas, FE/UNICAMP, 1985.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura & Realidade Brasileira. 2 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
SOUZA, Renata Junqueira de. Narrativas Infantis: a literatura e a televisão de que as crianças gostam. Bauru: USC, 1992.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global, 2003.
Fonte: Webartigos.com Textos e artigos gratuitos, conteúdo livre para reprodução. 1» Envie este artigo para seus amigos!» Quer publicar artigos? Crie seu perfil de escritor!1 A fonte do artigo e informações do autor devem ser mantidas. Reprodução apenas na Internet.
Assinar:
Postagens (Atom)